sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Navegação

Há um barco encalhado
na região a beira-mar.
Toneladas de areia fervilham
o casco duro de tartaruga, a popa
velas rasgadas pelo vento
conchas jogadas
pelos quartos apertados do barco

A memória salina dos marujos
uma voz rasgada
afogada no choro das ondas
é grito de cordas cantando a noite. É
o mesmo grito da fogueira
o mesmo grito da célula
que se enche de água
ao longo da pele mergulhada

E talvez no barco eu não veja
estes rostos vermelhos
escondidos pelo sol
a pupila desfocada a procura
do oceano leitoso onde acariciei
os pássaros cantores da manhã

O mar, o barco perdido entre estrelas
Eu
os marujos e a força que move a maré
É preciso ter força!
É preciso ter força!
É preciso
encontrar o objeto esquecido
na hora da partida:
luz apagada do lampião
fios do tecido cortado
dente de ouro da boca do bueiro

O barco encalhado dilui-se na praia
com vivência de leme e maresia
apagam-se famílias de porcelana
fotografia eternas e angústia.
O espírito dos navegadores
é tão frágil
como a vida dos insetos


terça-feira, 5 de novembro de 2013

O refletido

Quando eu sentir a garganta
fermentando pela força do choro
o suor de cada sonho
escorrendo entre as veias
talvez eu diga
numa voz vermelha e inchada:
Agora já não sei mais sobre
essa imagem de vidro
céu, mar, pedra, lâmina.
E então não terei medo da morte
ou dessa luz do mundo
que cada um tem escondida no ventre.
Apertarei meu peito com as unhas
e como urubus que bicam
fincarei em mim a dúvida.
Serei um sopro passageiro
entre o eterno e o nada
um ponto perdido
no mar das histórias
e dos desertos de sal
Eu, envelhecido pelo espelho
apalparei minha roupa e os cabelos
serão despenteados
pelos próprios dedos negros
forçados em sua natureza dura.
E se gritar, se caminhar pelo quarto branco
talvez esqueça os nomes dos amigos
o gosto da comida
e cheiro podre que nunca senti,
mas jamais perderei a imagem
daquele pedaço de mim,
guardado atrás do misterioso espelho
vereda entre o ser e si mesmo.
No dia que eu perceber-me cego
ainda que com os olhos bem abertos
e a boca salivando lucidez
Quebrarei o reflexo de mim
apagarei meu duplo
num distante salto a
imensurável caverna do infinito