sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Transformação

Da minha matéria
farei o carbono seco
reluzido com lâminas de luz
e o úmido da alma guardada
entre os olhos e o mundo
Nutrirei o ser num leve
cheiro de chumbo que floresce
pelas vias da cidade
Estarei presente no peso do espelhos
mas jamais serei reflexo
Virtual serão os desejos do corpo
erupções de calor pelos poros da pele
as frestas da arcada dentária
o fio negro escondido em cada lavoura de emoções
(Meu dias e minhas horas
alguns amores escritos na terra
o escuro espirito do meu nome)
Quero palavras em forma de gritos
a eternidade concentrada
dentro do globo translucido.
O embrião de minha coluna
os livros, o sangue, o tecido
a genealogia, o desejo, a flor explodida
entre a floresta e as montanhas
Assim me crescerão duelos
da carne com os aromas do vento
cada sonho brotado de noites densas de sono
o barro que vaza debaixo da unha
a transformação da matéria orgânica em memória

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Navegação

Há um barco encalhado
na região a beira-mar.
Toneladas de areia fervilham
o casco duro de tartaruga, a popa
velas rasgadas pelo vento
conchas jogadas
pelos quartos apertados do barco

A memória salina dos marujos
uma voz rasgada
afogada no choro das ondas
é grito de cordas cantando a noite. É
o mesmo grito da fogueira
o mesmo grito da célula
que se enche de água
ao longo da pele mergulhada

E talvez no barco eu não veja
estes rostos vermelhos
escondidos pelo sol
a pupila desfocada a procura
do oceano leitoso onde acariciei
os pássaros cantores da manhã

O mar, o barco perdido entre estrelas
Eu
os marujos e a força que move a maré
É preciso ter força!
É preciso ter força!
É preciso
encontrar o objeto esquecido
na hora da partida:
luz apagada do lampião
fios do tecido cortado
dente de ouro da boca do bueiro

O barco encalhado dilui-se na praia
com vivência de leme e maresia
apagam-se famílias de porcelana
fotografia eternas e angústia.
O espírito dos navegadores
é tão frágil
como a vida dos insetos


terça-feira, 5 de novembro de 2013

O refletido

Quando eu sentir a garganta
fermentando pela força do choro
o suor de cada sonho
escorrendo entre as veias
talvez eu diga
numa voz vermelha e inchada:
Agora já não sei mais sobre
essa imagem de vidro
céu, mar, pedra, lâmina.
E então não terei medo da morte
ou dessa luz do mundo
que cada um tem escondida no ventre.
Apertarei meu peito com as unhas
e como urubus que bicam
fincarei em mim a dúvida.
Serei um sopro passageiro
entre o eterno e o nada
um ponto perdido
no mar das histórias
e dos desertos de sal
Eu, envelhecido pelo espelho
apalparei minha roupa e os cabelos
serão despenteados
pelos próprios dedos negros
forçados em sua natureza dura.
E se gritar, se caminhar pelo quarto branco
talvez esqueça os nomes dos amigos
o gosto da comida
e cheiro podre que nunca senti,
mas jamais perderei a imagem
daquele pedaço de mim,
guardado atrás do misterioso espelho
vereda entre o ser e si mesmo.
No dia que eu perceber-me cego
ainda que com os olhos bem abertos
e a boca salivando lucidez
Quebrarei o reflexo de mim
apagarei meu duplo
num distante salto a
imensurável caverna do infinito

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Em busca de si

Como uma faísca perdida
no interior do seio
um lobo que crava as unhas na terra
a procura de si mesmo
me encontro em busca da imagem
perdida no ventre
na brisa
no mar fecundado da mente,
estrelas distantes de brilho negro
apagados pela nuvem.

Meus olhos labirintos atrás
das moedas e histórias
contadas na beira da praia
Dois glóbulos translucido que guardam
a memória da terra e do som.
Geleia porosa de tempo
na dúvida entre o ouro irradiado da luz
ou as flechas do cosmo.

Ah, minha morte
nascida a cada escorrer
da tinta do pincel pela folha fina.
Eu frente a frente com o espelho
dos dias da alma,
tocando com falanges sutis
a coluna vertebral
o corrimento gasto
que há em cada ser vivo.

Meu comportamento como lupa
imigrando a imagem invisível
para um túnel de compreensão
No inicio, no nada
no fim do breu.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Pés que pisam a terra

Que não seja essencial
a carne e a matéria
o objetivo nítido
do ser. A palavra
escondida da multidão
de cegos excitados.
Os labirintos do mundo
em que se passam
longas procissões repetitivas.
O fosco dos espelhos
lágrimas quentes de olhos tristes

Pois assim serão salvos os perdidos
no deserto de si
a areia do mundo
os gritos caninos da experiência
moedas espalhadas pelo bolso
o primeiro beijo, o cheiro roxo
do corpo entregue ao eclipse.

Pela sensações dos misteriosos nostálgicos
que buscam o intimo brilho humano
diluído na água e no marasmo.
Os que cantam a memória acrílica,
divina
das flores borbulhadas no lábio
Pelos que vivem qualquer coisa
que não seja uma coisa
Aos que buscam o múltiplo
do sozinho no que é murcho
frouxo, espirito extraído
ao longo dos símbolos encadernados.

Por tudo que se encontre
no grão
na rua
no mar
na lua
na liberdade
que escorre pelas asas

E talvez ninguém precise desses pés
que pisam a terra.
os olhos globulares de pedra.
a frágil mucosa do corpo.
As ondas, os chifres, o ferro
o cabelo, a estima, a desfortuna das regras da carne

sábado, 12 de outubro de 2013

Imagens

Sonho com as imagens
da volúpia de outros corpos.
O mar profundo de ondas
gritando pelo tempo
ancorado no interior
das ilhas da mente.
Uma pessoa que não vejo
e me envolve no licor
escorrido de suas vértebras
flácidas
como o medo dos animais
e das ruas durante a noite.
Som e grito se somam ao
íntimo das esperanças estreladas
tatuadas no olho-memória
das noites vermelhas de uma chuva
que descolore meus cabelos com a fúria
do choro rasgado
E eu mordo minhas ancas
a procura da experiência
da lua
glóbulo amarelo fugido
do continente branco
para se esconder no seio
doce de terra.
Cor híbrida e versátil
Descolonizadas de si
mergulhando livre no leite
de sangue escorrido
entre suas pernas.
Eu sonho a experiência da vida
liberta do Ser
o negro que explode o tecido
de ceda clara que lhe envolve a cabeça
o desejo, sim, o desejo virtuoso e sem fim
de fundir-me com a madrugada
num corpo translucido de magia e beleza

sábado, 5 de outubro de 2013

O morto

Nunca desejei que ratos
me roessem a alma.
Imaginava que a realidade
fosse feita de matéria dinâmica
viva, própria,natural.
Os copos de água
não passariam de água
as estrelas seriam somente estrelas
e a música um eterno grito
a espera do encontro em mim.
E devo gritar nesse momento?
Jorrar aos ventos do ser
todo meu medo?

Um urubu cego
entre as flores da galáxia é
a fruta roxa de meu peito.
Raio escuro que tinge a manhã de domingo
atravessa meu olho amarelo.
Canta meu nome
canta, canta
como quem corre pela rua
quatro de outubro
numa noite gelada
ao silêncio da voz fétida.
Sou palpável? Sou vivo?
a imagem projetada pelo rio
é Minha experiência?

Escrevo pela felicidade
que exalam as rosas,
com seu cheiro e cegueira.
Sua nitidez falsa de prazer
nascida na terra podre
que piso com os pés.
Estar sendo o que sou
não significa que o fui
no segundo passado
a leitura do pensamento

Imaterial, colérico e duro
dono de posse nenhuma
alegre como a vaca atolada
na chuva que cai sobre a fazenda.
Perdido na
da Avenida da Glória.
Vazio a transbordar nuvens
estrangeiro comigo
Nome desconhecido de profissão nenhuma.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Os olhos

a Luisa Caron

Aqui, os olhos encantados
se diluem no tempo
que passa solitário
pelo relógio
noturno

Não existe lua.
As poucas estrelas
que costumo contar
sumiram.
Não há o que que seja turvo
em minha fisionomia.
Sozinho sonho com o destino
porque o destino é o sonho
que ainda não pude enxergar.
Uma flor aberta
no meio do oceano
da memória.
Eu, perdido no interior
de cada um, do mesmo que sou
a cada dia surgido
atrás da pele.

Nas esquinas da mente
só me restam as imagens
dos livros que li:
Árvores enormes escondidas,
crianças que correm pela rua
rios longos e infinitos
bois, mulheres
noites e choros de cidades que não visitei.

Todas as famílias
Todas as histórias
tem sua literatura.
E nelas os olhos dissolvem.
com abertura de água
o mito de suas insonias.

Essa noite, sozinho,
no turvo impacto
da imortalidade humana
acredito
que a eternidade
tem um novo sentido
a cada página.

domingo, 22 de setembro de 2013

Tirésias

Fui dois quando apenas um
fui nada, quando nenhum era meu sexo
E fui cem na hora negra
em que me admiravam.

O sexo me era inexistente
porque de completo tinha
as duas faces do prazer.
Era eu o sangues escorrido
entre as pernas
e o órgão crescido
da amargura dos deuses.

E todos me consultavam
a procura de si mesmo
da memória existente nas estrelas
dos cantos perdidos no tempo
do crime cometido pelo filho
contra o pai.

Meu nome proferido ao vento
minha sabedoria à eternidade.
Um homem que é mulher
a experiencia, dissolvendo-se
no corpo.

Mas aos deuses
Só se deve existir uma noite
uma unica luz negra
uma escuridão que recaia sobre o ser.

Então me perguntaram
e puniram pela resposta inexata
por sua inveja mortal
(escondida no manto
dos que não morrem)
E tiraram o bem maior:
A escolha
do próprio corpo
a transição entre os pontos
o recado que une
o masculino e o feminino

E me cegaram, deuses imortais
com a ira dos desesperados
das agulhas que atravessam o tecido.
Arrancaram-me as pupilas
a leitura, o horizonte
os sorrisos
as cores
os feitos que não vi

Eu me tornava então um cego
acampado na rua.
Um homem dormindo
com seus medos
um mar de escuridão
a enxergar o invisível.

Meu nome, minha imagem
minha profecia: Tirésias.
Aquele que foi dois
e apenas um.

domingo, 15 de setembro de 2013

Perspectiva

Os olhos do mundo
pelos olhos em mim.
As árvores do campo
crescendo nos pulmões
alastrando os galhos
por cada extremidade dos dedos.
Um museu a guardar memórias
em gavetas numeradas
para então dissolve-las
com o ácido grito da voz.
E já não se reconheçe a face
que estampa o ser
ao olha-la no espelho.
Eu, o sonho desenhado na noite de ontem
Eu, o tato que me tocou
Eu humano, antropófago, banal:
Um diabo perdido na luz do mundo

domingo, 8 de setembro de 2013

Cantos ancestrais

"O tempo são os fios
da renda tecida
pelos nossos antigos"
Cada tempo tem seu próprio silêncio.
figuras mágicas que se tecem
na voz dos que já viveram
no leite derramado pelo peito
no sangue que lava o barro.

Porque falecer e sentir a morte
em muitos casos
significa ainda estar vivo
para a terra que jogam
sobre o corpo
para o céu que jogam
sobre o olho
para o salgado mar
que jogam sobre a voz

E assim como um rio
jamais é o mesmo rio
se visto por outro ângulo.
Uma flor não consegue ser
a mesma flor
a cada primavera que vive.
e o vento nunca é vento
Também não posso ser o mesmo
a cada silencio
que me toca
Pois morro desde o momento
que nasci.
E morrer é conhecer os barulhos
dos que contam novas histórias
envelhecidas

Sou agora aquele que olha para trás
a procura de uma memória
perdida na escama dos peixes
nos galpões do mar.
Mas que sente apenas
o vento úmido roçar a nuca
e as correntes estalarem
secas
suas faíscas de grito e a força

O silencio que me existe
não é ausência material
pois canta a história
a dor pesada no ombro
as lágrimas de cobre que rasgaram
a face bronze,
do passado

Esse silêncio
não é o mesmo de anos atrás
(como nunca pode ser)
não é estático
pois se move como peixe
como faca, como capoeira.
Não é mudo
pois fala uma língua escura
da cor da nobreza humana.
Não é fraco
pois sangrou durante séculos

O silêncio que procuro
olha o passado para
cantar o futuro

E clama com sua dança
de silencio agudo
a ausencia de som a qual busco

Meu seilêncio ainda não pode sorrir
porque chora
mas começa a empinar sua pipa
num berro de felicidade eterno

domingo, 1 de setembro de 2013

O reflexo

De que servem todos os prêmios?
O anel de ouro com o nome grafado
a roupa que usou na festa de casamento?
De que vale os méritos que tem o nome
se dentro do infinito
que existe em ti
é um elefante apavorado.

De que valem as mortes e as felicidades
que fingiu passar?
Se ao olhar de seus próprios olhos
consegue ver que eles não existem.
E que seu sangue é marginal
crespo e ralo
claro
como as tristezas familiares.

O cheiro de carne crua
é o que sai de sua pele.
A espera pelo que não vem
é sua maior conquista

De que vale então as tardes com amigos
as frutas que colheu das árvores
as ruas que desceu e as pombas que
diariamente
tentou afastar com seus braços largos?

Seus poemas, sua miopia
suas reflexões frente o espelho
as novas palavras que tenta aprender
os livros, as roupas, as flores
a noite, a lua, os pássaros
De que valem?

Seu sonho é uma galáxia
suja pelo leite que derramou
ao abrir as lembranças
do tempo vivido
em frente sua própria imagem.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Sobre o acaso

Existirá um destino
traçado na areia da praia
na curva da rua
no exílio de
cada cidadão
desesperado.

Contra o vento e contra todos.
Mil crimes de amor
enlatados no seu coração
serão mortos em um precipício.
Como o espelho prateado
refletindo a tarde vazia,
a triste rotina
que tens
com seu sigilo

e verá que você
é seu próprio rumo
o outro tempo
a certidão de nascimento
os futuros obituários
as flores explodidas
com quem
se relacionou.

Existirá um dia
nas horas queimadas
nas primaveras
nas serpentinas
coloridas
que sua mão apalpará.
Existirá, preso pelos dentes
a boca
o peito,
o corpo
nu.

E seu sorriso perdido
 sem graça 
de quem ri
a grama envelhecida
as façanhas dos heróis
os cheiros de rosa

Será então
finalmente
um anjo,
vivo

um corpo entregue
a luz da cidade
as estrelas que riem
na madrugada.

Haverá ao menos um destino
para cada um de nós:
uma onda quebrada no casco
uma polpa de fruta
adocicada
um melaço de açucar
pingando sobre
a luxúria.

Viva o fogo
que te nutre
o corpo.
Viva essa lua desregrada
(sem nome)
que se esconde
nos lábios e
pelos
do pavão

Como uma ilha
que se esconde do mar.
Um neto da mãe
a água do sal
uma igreja de pedra
da santidade da fé.

Porque não te haverá
nada de fome
frio, mofo
mas
apenas
sonho
e fogo
e gozo.

A liberdade sempre
o mundo jamais!

Um destino de luz
que se clareie
a eternidade
inteira

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Desapego de mim

Meu peito se rasga em forma de dor
e o sangue escorre pela pele,
viscoso e negro,
como são aqueles animais imundos
que desconhecemos de tato, ou vista,
mas que ao se aproximar
sentimos em seu cheiro fúnebre as narinas
corroendo-se e amarelando-se no enxofre embriagado.

Um anjo se desprende em tormentas de demônio
e soltando-se de suas correntes
sai de mim, de dentro de mim
do meu interior que é infinito e quente
para voltar ao externo e branco
e belo e liso e claro e macio
lábio perdido que o amor que pude dar
não teve.

Meu amor, amor flutuante e falso
agora já se foi sua hora
seu tempo de vida, de cartas, poemas.
Talvez seja melhor
um desenho em branco sobre a pagina negra
que fui sobre ti

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Dúvida

Já não sei mais do que sou feito
se do barro, do espirito ou da carne
(o que me parece mais palpável
e por ser assim, real).

Não sei sobre meus gostos mais internos
minhas percepções sobre as coisas:
a ternura caída das estrelas
quando as olho pelas lentes do óculos,
ou simplesmente a fervura explodida nos poros
a cada nascer de lua.

Por ser real tudo me aflige com força.
Da mesma forma que aflige ao analfabeto as letras
e ao cego a ausência da cor.
Conheço as letras e não sou cego,
embora as vezes me sinta.

Minha alma é movimento virtuoso, cíclico
e sentada em confortável poltrona
afunda-se pelo corpo, ao mesmo tempo
que se dissolve no sangue
com sua fria e meticulosa sensibilidade.

As vezes esqueço meu nome
os encargos que me foram atribuídos
meu endereço, minhas tristezas
e os dias que amei.
Esqueço também da enciclopédica sabedoria sobre a necessidade da morte.

E tenho ainda mais dúvidas.
Porque não lembro como era o cabelo de minha mãe
e nem mesmo a pele nobre de meu irmão.
O que representa a serpente que engole o próprio rabo?
qual a funcionalidade da leitura?
Existirá um contrato entre a lua e o mar?

(– Mas então alguém diga algo que dê sentido
poucas palavras que absorvam esse vazio.
Digam. Digam:
Para que tantos livros enfileirados se nunca os lerei?)

Alguns dias tenho pesadelos em latim
outros premonições em línguas estrangeiras.
Talvez eu ame o futuro
com o mesmo ódio que tenho pelos dias frios.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Fala de Exú

Sou o caminho que se transpõe
o presente, o ontem e o futuro.
Sou o mensageiro do mestre
porque com ele aprendi os dezesseis
números e a totalidade do silêncio.

Sou o mensageiro porque minha voz é conhecimento
e minha paciência perfeição.
Sou o que tudo devora
por conta da fome voraz.

Em minhas mãos tenho as encruzilhadas
as portas das casas.
Sou aquele que nasceu depois
mas merece o respeito de um ancião.

Ouvi do mundo todas as histórias
os sofrimentos da cólera
a solidão aventurada das estrelas
os rios que choram uma hora perdida no tempo.
Ouvi os pássaros, as cataratas, os deuses e as pessoas.

E por conhecer as façanhas da eternidade
juntei os infinitos mistérios:
os caminhos gloriosos dos peixes
os infortúnios da morte e dos homens imbecis.
Nas trezentas e uma histórias do universo
que desvendam, como uma chave, os mitos.

E sou aquele que tem vários nomes
que recebe as primeiras oferendas
e conecta elos distintos.
Fui eu quem presenciou de perto a montagem do ser.

Tudo o que acontece agora já aconteceu antes
por isso minha memória é a essência
o remédio sagrado
os códigos que declaram a verdade.

Sou quem mantém a plenitude, o movimento
o sexo e a mudança.
Pois sou também a oralidade dos povos e a fecundação da vida

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Jorge Luís Borges

A noite, o fervor, a lua.
A memória, as pradarias. A infâmia,
o espelho, a morte, o tempo.
As palavras dos livros
e os livros, a eternidade
(apagada pela cegueira
da alma e do sangue).
As bifurcações
dos jardins e labirintos de pedra,
das ruas ensanguentadas.
O eu em mim e no outro. O mito
vulnerável como areia,
como portas,
como espadas,
como noites, que são mil em uma só.
A esfera cristalina e a sombra
dos deuses, do Deus.
Uma lembrança que concatena a visão;
o barulho do touro e do homem.
Uma voz aprisionada na biblioteca

sexta-feira, 26 de julho de 2013

História da tristeza incompleta e do amor

1.
Uma gota não me escorre do rosto
como o leite fugido das coxas
ou a pedra seca, carente de cor
rolando do topo da montanha.
E meu maior desejo era chorar
feito uma criança faminta
que estica os braços gordos
a procura de um peito que a amamente.
Feito um homem que perde sua perna
feito um cão apunhalado, um cão esfaqueado
Feito um homem mascarado
que vê o amado pela janela
e não o tem entre os braços,
enlaçando-o em seu peito fervoroso
quente,
como deveriam ser as lágrimas

Hoje eu sou da maneira
que nunca devia ter sido
sou tudo porque sou incompleto
porque minha tristeza é um copo à espera de água.
Só tenho mãos porque os braços ainda me restam
só tenho olhos porque a esperança
(de lágrimas turvas fugindo a face)
ainda existe.
Meu sonho, minha imagem inalcançável
é essa esperança.

2.
Já não sei mais o que é costas
o que é seio e o que é lábio.
O que são as pegadas na areia
e as marcações feitas na folha do caderno.
Sou o amor e o amor me é
sou você porque minha alma já se desconhece
e não sabe quais os valores que a faziam alma
os sons que a faziam alma
a cobiça que a fazia carne

Sou o meu sexo e o seu sexo
o calor que te vaza da rosa
e me floresce no interior dos pulmões
sou a parte que lhe faltava
a cavidade tapada por seu bojo
Sou o sangue do seu sangue
o mar e as ondas feitas por seu sopro
a luz que fugiu das velas
as palavras proferidas na língua.
Sou o amor, a loucura e o desejo.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Encaminhamento de Ana

Estávamos conversando, esses dias, sobre a dependência da criação poética às experiências pessoais. Decidimos então fazer um desafio: Helena, mulher branca e feminista, teria que escrever um poema sobre a causa negra, e Ronaldo, homem negro e anti-racista, faria o mesmo, mas sobre a opressão por gênero. As trocas de experiência sobre as opressões que sofremos foram cruciais para que pudéssemos entender mais e apoiar às causas um do outro e vice-versa. Seguem abaixo os resultados deste desafio conjunto.


Carlos, é muito difícil narrar-lhe os fatos.
Não compreendes que o corpo é uma folha caindo de uma árvore?
Um pássaro extinto fugindo pela floresta?
Um feixe de luz derramado na ausência?

Deve-se então, Carlos, tratá-lo com liberdade
poupá-lo de seus cuidados malignos
de seu julgamento saudoso
da fria coberta que é seu pudor.
Carlos, o corpo que tenho não merece
os espelhos flácidos que são seus olhos.

Nosso corpo é a essência dos frutos
o início secular de tudo.
E é nosso como é de um homem seu órgão
e de um negro sua pele
(entenda também que a pele do negro
não merece qualquer desrespeito
que lhe esteja na mente, Carlos).
O corpo é a nossa alma e nosso sangue
nosso direito de posse e vontade.
O corpo, Carlos, o corpo.

Por assim ser faremos dele o que a vontade mandar.

Carlos, um ferreiro constrói sua espada
e domina seus movimentos,
as subidas verticais e quedas livres.
Nós faremos o mesmo:
o corpo será nossa espada reluzente
e o ventre nosso ataque e defesa.

O corpo, o meu corpo, o nosso corpo, Carlos
já não aceita mais as regras e valores violentos
que te pertencem,
os cintos de castidade que são suas palavras
o respeito unilateral proferido por seu suor.

Carlos, entenda como a última vez que te falo.
Não haverá mais resignação sobre sua violência
não haverá mais passividade sobre seus gestos imbecis.

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O outro poema está neste link: http://temposdemorangos.blogspot.com.br/2013/07/o-canto-de-mariano.html

segunda-feira, 22 de julho de 2013

O afogado

Para Décio Lopes da Silva

Sou um estrangeiro no mar
um intruso nas ondas borbulhentas
que se quebram na orla.

Sou como a peste que mofa o pão
e com movimentos inóspitos
incorpora seu odor ao odor úmido das algas.
Tenho a boca cheia, mas sou mudo.

Porque no  mar não há o sexo, a luxúria, as palavras, as glórias
os barcos abundantes que são os sonhos
e os sonhos, que não são barcos
mas se adentram rotineiramente em mantos alaranjados.

Aqui o tempo é superficial
como para um cego é a lua
e para um obreiro o naufrágio.
Os minutos são tão longos quanto as noites pacatas.

Só existem espumas densas de sal,
cemitérios em que a morte desconhece
e não semeia seus corpos.

Não há sequer uma estrela acima desse mar
um amuleto que cintile na hora negra
um resquício profundo da chaga
uma gota de cólera postada na lepra que se abre.
O desespero real é, talvez, a maior das virtudes humanas.

No mar,
exilado e imigrante não sou ninguém
ao mesmo tempo que sou todos:
a mão divina que toca o infinito
e nada sente
o céu que afoga com seus lábios a água negra
e não sacia sua sede.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

O espelho

Uma folha é uma folha
um corpo jamais deixa de ser corpo
e o reflexo do objeto não é o próprio objeto.
Por que aquele ser está estampado
na cegueira do vidro?
Seus movimentos são inversos
e se projetam na mesma velocidade com que os faço.
É desconhecido esse outro dentro de mim
esse que é aquele e faz de sua arte a dúvida,
e tem suas concavidades espalhafatosas
distorcendo o que é real.
É alheio aquele mundo. Recluso e convexo
fechando a eternidade em pontos de luz
que nos enganam, como o eterno infinito.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Encomenda ao luar

Quero aquele amor desvairado
perdido nas penumbras da cidade
exaltado na calma do campo
louco, alucinado
no brilho das estrelas e postes de luz

Um amor de sangue e voz
que faz com que meus olhos sejam espelhos
a refletir o cabelo que te serve
a quente boca que te serve
a pele que te serve
e me serve.

Porque eu quero ser seu corpo
Enquanto você é meu corpo;
e quero que você seja minha alma
minha alma humana e destemida
azul, pingando fogo e gotas de mel
no espaço inanimado que preenche

Desejo-te completa e também suas pernas
suas costas finas de borboleta
seus pés descalços sob a terra úmida,
que engole as arvores, as plantas
os insetos e meus sonhos dormidos
meus entes passados, meus anseios.

Eu a quero, Estrela reluzente que se tece no céu,
quero amar como um insano
que cantarola óperas no manicômio.
Quero gritar seu nome ao universo
beijar-lhe as flores contidas na face
como um cachorro que uiva
pela lua que atravessa o universo
e aconselha os destemidos.

Ah lua,
lua fantasmagórica e aberta,
dai-me esse amor que tanto quero

sexta-feira, 28 de junho de 2013

As paredes do quarto


As paredes frígidas
erguidas na febre dos duros tijolos
apertam-me a alma com sua voz lambida de cal
enquanto sustentam protuberantes vazios:
O branco dessas paredes, o mudo dessas paredes
o silêncio desse quarto
as quatro paredes brancas que engendram esse quarto

Já não há mais os antigos móveis
em pinho talhado nas lascas do formão
a cama coberta com lençol
as estantes e os livros esculturais
não há mais quadros
não há mais gritos
não há mais sonhos
não há mais quarto
nesse universo

(O branco abarcou tudo e abarcou também a mim
sumiu com as teias de aranha e as formigas
com a luz que batia na janela
com minhas capas de revista
meus enfeites de cabeceira.
Sumiu com o vento que vinha das estrelas
com minhas medalhas infantis.
Sumiu também com os sorrisos que guardava
com minhas roupas e cheiros.
Sumiu com meus amigos, sumiu com meus medos)

Fértil como a solidão interna dos ovos
esse quarto me mantêm preso
encarcerado em sua cópula clara
densa, inodora, luminosa
como um copo de magnésia

De que material
serão feitas as paredes desse quarto?
Serão da cegueira límpida das roupas hospitalares?
Do leite embebido na paciência dos loucos?
Será o branco desse quarto
um grito eterno no desvario do tempo?

domingo, 23 de junho de 2013

O lobisomem

"E eu parti travestido de Dor" - Décio Pignatari

Um cão corta a rua
enquanto uma faca risca o vento.
E o pelo negro de cão
é o mesmo pelo dos pássaros
que comem matéria morta
com os dentes afiados
e as garras agudas
entrando dentro da carne

O cão não é um pássaro
e não é um homem,
vive sozinho
com os olhos de asco
cheirando a carne fria
e as têmporas abertas
preenchendo-lhe com nada o instinto voraz

Não vive e não conhece as árvores
não sabe do sexo, nem do amor
só sabe do desejo de outro cão
da pele áspera de outro cão
que lhe mostra os dentes
vermelhos e secos
em sua fecundidade de sangue

(Esse cão flácido,
ululando bolhas de enxofre
negro como o ventre podre de qualquer pobre
amorfo na miséria de cães imundos
duro, intacto, como o desejo inalcançado
de tantos cães mortos)

Atravessa a noite cheia
e se traveste com patas de cal,
pelos de lascas de metal
esse homem nu que agora é cão.
E procura nos vivos
o cogumelo que coagula solitário,
tinto no mel que fervilha nas veias,
no gelo arcaico das artérias.

Este cão, este homem desumano:
mangue de cólera adormecida
febre das bestas dilaceradas na noite.
O outro que se encontra em mim
no universo de luar que desconheço



quinta-feira, 23 de maio de 2013

Hesitação do vento

O Vento que leva as estrelas
é o mesmo vento que te leva.
E envolve sua saia branca
em um leve voo de pássaro.
E faz novelo de seu cabelo vermelho
com as raízes das árvores,
até que não se saiba mais
o que é árvore, o que cabelo e o que vento.

O Vento que leva as ondas
é o mesmo vento que te chama
e faz meus olhos fogo
enquanto você dança e o tecido doce do vestido
te escorre os ombros claros

O Vento que leva os cânticos
é o mesmo vento que avermelha o céu
e derrete pelas nuvens o cobre vermelho de seu cabelo.
E os tira das minhas mão para escorrer nas águas
em que você foi bailarina

O Vento que leva os ventos
é o mesmo vento que te leva de mim;
o Vento que leva o tempo,
o mesmo vento que não me leva
mas leva os ares, as casas, o cal da parede, e os átomos.
Sua franja, suas feições e os afetos.
Os signos, as rezas e seus beijos
o vento que me habitava antes do Vento.

domingo, 12 de maio de 2013

A pele

"Eita negro! 
– Quem foi que disse
que a gente não é gente?" Solano Trindade

Minha pele é de irôko
e de todos os tempos
pretos e brancos
– pele e
somente pele,
carne superficial
sob o corpo plácido –
Não é de porcelana
nem de prata
nem pau
nem de pluma
ou de pedra,
a minha pele.

A pele é meu canto
a tecitura que roça o corpo
o noturno da noite de lama
os tambores palpitando
pela dança dos pés batidos

É esta a pele que sangra o grito:
nas algemas dos navios
dos cavalos, das carroças
dos carros de policia.

A pele que calada
se curva
as balas periféricas
enxertadas no peito,
pontos de sangue
no tapume feito de negros.
Também é minha pele
a capa que cobre a carne
o cobertor sob o corpo
o manto tremulo tapando tudo.

E por ser pele, como toda outra qualquer,
a carne que me envolve,
de nada deveria valer sua cor,
seu cheiro ou o tato a que toca.


terça-feira, 7 de maio de 2013

Teoria das mil e uma faces

Viver uma vida que seja mais viva
e tenha mil faces dentro das cores
que abrem o céu pelo nascer da manhã.

E que cada face se abra para o toque dos dedos,
o doce toque macio dos outros dedos,
a fim de sentir
sobre o cabelo negro que te cobre a fronte
a ternura das mil e uma faces que te tocam.

Conhecer os cavalos persas
o rubro que escorre das pernas
o agridoce que encosta as veias do sexo
e as desmancha
como papel embaixo de gotas d'água.

Buscar em procura eterna
o sonho fugido na noite passada
a onda que quebrou-se na praia
e levou consigo mil e uma pérolas.

As pérolas que as mães tanto amaram
mas sequer puderam ver crescer.
-Buscar também essas pérolas
pois é por elas que choram mil e uma mães.

Fazer o que seja mais belo
dentro das mil e uma faces vividas
para que então, como uma biblioteca
que guarda livros, um céu
que guarda estrelas, um botão
que guarda pétalas.
Guardar tudo o que pode ser dado
pelas mil e uma faces que te servem

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Morrer no mar

Quando morrer
quero que meu corpo,
meus olhos,
minha juventude
sejam levados para o mar.
Jogados ao infinito
onde o silêncio se esconde
e a solidão encontra-se sozinha.

Quero que me joguem e meu corpo afunde
em busca de estrelas, flores
e do azul profundo conhecido pelos heróis.
Porque o mar é o segredo e o mistério
onde a lua reflete e cintila
o véu azulado da glória estendido
os pontos de luz como candeeiros
e as noites claras com o brilho negro de Iaocá
Peço que me joguem ao mar
e minhas lagrimas se fundam ao sal
que minha pele se desfaça no calor das águas
velejando por todo mundo
em jangadas, saveiros e ritmos secretos.

Quando morrer
não me importará mais a idade
o sexo, as cabrochas
Se o que fiz
não foi o que fui.
Só me importará
que meu corpo,
meus olhos,
minha juventude
sejam levados para o mar.

sábado, 23 de março de 2013

Poema para Paulo Leminski

O Leminski
disse que é poeta
que tem bigode
que faz musica
fuma cigarro
e mora com a Alice.
Disse que está de dentro pra fora
e de fora pra dentro.
que é viril
tem sangue na veia
e que nunca nasceu pra ser lido.

Disse
que é distraído
não tem memória
e já não tem medo
da morte.
Disse também o Leminski,
que é um belo filhadaputa,
que nasceu no Paraná
e conheceu o Itamar

Esse Leminski
(cachorro louco e bandido)
já disse de tudo.
De formiga de missa
da pressa preguiça e pele mestiça.
Do inverno, do claro do raio.
De tudo que corre no vento:
a lua o vicio
e o tempo.

sábado, 16 de março de 2013

Amor

Agora vejo que de mim
florescem pétalas
e dessas pétalas desabrocham
o cheiro das mais belas flores.

As flores dos que descobriram sobre o amor
e conhecem as minucias
da paixão,
da argucia dos dedos deslizando pelas costas
(que correm e deixam marcas
como um rio de diamantes
como um sol de domingo, como
o êxtase do sexo, o êxtase do beijo
o êxtase da noite e da eternidade)

De mim e de meus olhos,
brilha o mistério da poesia,
reluz a luz clara da lua branca
e a lembrança das tardes em cinemas.

Da boca
soam os gemidos das ondas arrebentando
a beira mar, trazendo conchas novas
as crianças que brincam na areia

De mim, do meu corpo,
do todo que não sou,
brota a eternidade,
os frutos das mais belas das árvores,
a aquarela das folhas com poemas,
as cores da alvorada
e dos jardins que estampam
suas roupas floridas.

– Não sei o que sinto.
Só sei que descobri o amor.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Ouro negro

Da pele escura. Negra
desabrocha uma flor.
Transpiram luas cheias
sons de atabaques
e outros tons pretos,
negros, pardos e quase pretos.
Regozijam do risco na terra
do sangue, do sonho das avós
que escorreu pela pele
(aquela antiga pele preta,
relembrada nas vestes
da bossa dos sambas
e dos soares bandolins).

Da pele e dos pelos
crespos, cravados na serras
correntes.
Falam as vozes da folia
dos cantos de São Salvador
das passadas
nos paralelepípedos de terreiros.

Do dia, do todo dia
da flor que desabrocha preta
e em peso,
prendendo-se numa esperança
de que todos os tamanhos
se pintem e sambem
de negro.
(como se pinta a manhã
aos passos ritmados
das morenas que dançam
como a lua se pinta no céu
e o céu se pinta no sol).

Floresce uma pétala
que é igual
-finalmente igual-
a pétala loura
do louro jardim
em pétalas de ouro negro






quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Ao vento, com carinho

Farei um poema
para que voe aos ventos
e encontre a boca que tanto procurei;
a boca que é desenhada a tinta nanquim
e macia de campos de algodão,
a pele de Afrodite

Para que a descubra a boca
o poema
e tenha as palavras
como dedos tocando os lábios
como dedos passando pela face
como dedos
deslizando ao corpo, ao seios,
ao sons do sexo

Nesse poema escolherei termos exatos
tal os árabes seus ornamentos
os africanos seus deuses
e os latinos sua ternura.
Para que seja agridoce
e tenha as cores do mundo
junto da sutileza das maçãs
do ônus das lutas
dos sentimentos pueris
cultivados nas montanhas do Oriente.
Para que seja eterno, não efêmero
qual sonhos, almas amadas
e tardes de domingo

Com plumas de flamingo
escreverei o poema
e o assoprarei a eternidade, a velhice
as retretes e alagoas do tempo.
Na esperança de que
encontre-se ao tato
da boca que ainda não encontrei.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Canteiros

Em frente a parede clara
de minha casa
existe um jardim,
nele vejo o passar dos anos
como fossem pétalas amareladas soltando-se
livremente ao infinito,
com suas flores brandas e cores serenas,
dentro da plenitude que existe em cada flor.

Minha mãe rega o jardim
e assim a vejo:
com um óculos rosado escorregando pelo nariz fino
–  óculos que se nega fugir pois bem sabe que em minha mãe
só existe um medo, a cegueira,
a tristeza de sentir-se só,
sem o brilho do jardim reluzindo em seus olhos castanhos 
sua roupa de leves grafismos em algodão,
as costas curvando-se com alegria para
aproximar-se do aroma do jardim
e suas mãos livres, macias (que seguram o regador,
mas deixam com que toda sua vitalidade
escorra junto com a água que dá vida ao jardim).

Vejo o sol nascer todos os dias
em um céu aquarela, reluzente feito lábios de amantes.
Abaixo desse céu e dos pássaros que nele voam
vejo minha mãe regando o canteiro.
Por trinares de duvida
percebo que as folhas caem
e minha mãe cria rugas
Aos poucos enxergo que ela se torna flor
Como se tornou minha avó
sua mãe e demais.

A partir de hoje cumpro meu dever:
rego o jardim

domingo, 3 de fevereiro de 2013

O outro mundo, aqui


"Ler, além do mais, é uma atividade posterior à de escrever; é mais resignada, mais atenciosa, mais intelectual" - Jorge Luis Borges

Praticar a leitura é entrar em um labirinto,
achar as letras e po-las cada qual em seu lugar
para então manuseá-las dentro de um mundo
desconexo de domínios ou perdições.
Com a leitura alcança-se o extremo, onde as paredes são claras
e crescem até beirar a solitude dos olhos
lacrimejar, seja pela paixão das palavras
ou pela plenitude e devaneios vinda destas

É por-se contra um muro alto
carregado de vidros
que, por mais calmo que seja,
se tocado as entranhas,
as abrem. Esparramando o sangue
úmido, balsâmico, pelos caminhos do labirinto.

Perder-se nesse labirinto
é aproximar-se da compreensão dos sonhos,
dos significados do mundo
e de sua lua, coberta pelas calmarias do céu.

Dentro do labirinto, da biblioteca, do livro;
chega-se ao absoluto,
chega-se ao limite.
ao momento
em que as estrelas confundem-se com moedas
e sua quantidade é tanta que: incontável.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Do tamanho dos sonhos


Ser grande é ir além
depois da miopia
das ampulhetas europeias
e das noites árabes.
É ouvir o cantar da cidades
ou os diálogos calados do universo
(que se escondem
em tristes olhares de casais infelizes)

Ser grande é passar o espelho e seu reflexo
para ir a outra face: escura, úmida,
solitária, como tardes frias de outono.
É ser fantástico,
cego pela magia ofuscante da lua
(que é como a ternura oriental,
tênue entre os limites do amor
e a luxuria de pétalas delicadas)

Para se ter grandeza é preciso
deixar o que se deve e
suprimir em mãos, punhos,
lutas diárias o infinito
-o outro, que é além e alheio.

Busca-se a grandeza
como se caminha no deserto
e folheia-se livros.
como se sentado atrás das telas de cinema
por duelos indubitáveis
contra inimigos íntimos.

Busca-se a grandeza
[enquanto o mar busca a terra]
até que impossível seja a rotina.

domingo, 6 de janeiro de 2013

folhas virgens de um livro amarelado

Porque agora você olha pela janela do quarto
e vê no jardim abaixo da sua sacada
que algumas flores murcham enquanto outras
desabrocham por pequenos botões sisudos.
Te digo:
da vida lembremos os sentimentos
que são como flores amarelas e saurás livres,
como as rosas novas desbrochando em folha ainda virgens
dos livros de Guimarães, ou do jardim de vozes que fez Violeta Parra.

Lembremos do amor, pois ele não é efêmero,
não se apaga feito o fogo de Cortázar.
não se esconde entre lençóis da cama e ternuras da noite,
que são como a vida dos idosos:
cheias de mistérios apagados na pureza da pele,
nos longos e diáfanos fios de cabelo
na beira de riachos que
lavam em intempéries eternas de relógio as lembranças.

Dos versos de Drummond façamos nossas memórias
dos quadros de Monet, dos chás tomados a tarde
do bucolismo de Bandeira.
Levemos o amor ao sentido literal, cognitivo e semiótico
que pouco a pouco erguemos, tal ergue-se um poema Cabralino

Nesses tempos de viver, só nos resta o amor
que se nega a esfacelar desalmado
com beijos entre estrelas distantes.
A nós, somente o essencial, que chega aos olhos como a primavera
batendo na janela enquanto você olha ao jardim.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Lirismo em tempos de amor

Digo em poucas palavras:
para que fique claro e brilhe em raios de ouro feito o sol,
que seja como botões de flores em um vestido colorido
e frevos embalados pelas orlas coloridas de Iemanjá.

Digo do amor. Apenas e somente do amor,
não outros demônios.

Suas letras cursivas e toques de bossa
cores, babados bordados em tecido, percussões de caxixi
(que são como a unica felicidade
do mundo)

Das palavras destinadas aos lábios
e dos diamantes que brilham nos olhos dos que amam
dos abraços que se enlaçam para surgir na solitude
de roupas brancas coaradas ao sol.

Falo com leveza desse amor obscuro. Com ele
faço o possível para que seja a vida um livro de prazeres
Porque é o mais importante,
– irriga em gotas de éter os corações peregrinos,
que são lagoas de quereres despejando a tristeza atrás
dos pequenos palpitares batidos na saudade do dia.

Em suma e resumo narro aos ventos:
Quero viver o amor, nada mais adiante,
afinal não existe remédio ao que não se cure com ele.