segunda-feira, 18 de maio de 2015

O instante

E como se uma bomba
explodisse sobre o deserto
e a areia, a noite, o quente do ouro
toda filosofia,
os fantasmas, os homens,
fossem expulsos:
tudo se tornava vazio em um instante,
peça sem geometria,
complexidade matemática

E meu peito
até então unificado
em um mesmo continente
de repente se abria em mil faces
que recitavam
sua dor incompreendida de bomba.
E o recitar se alastrava pelas veias
por epiderme e pelos.
O branco dos olhos. A pupila intensa.
Assim o peito já não era mais peito
mas usina de sentimento
fragilidade e contradição
um corpo tremendo no infinito
o mesmo tremor que tem a água no mar
Como a doença que rasga a pele
o cheiro da memória do tempo
ou a palavra que incendeia o rio,
não senti a culpa, nem mesmo o pecado
da explosão sobre o corpo.
Meu mundo se fez um deserto
em sua frequente mutação

sábado, 2 de maio de 2015

Herança amarga

Sonho com a paisagem
entre dois mares
o que nela se cria
e recria
um milhão de vezes
em bolhas de sal
e sangue

Ouço risos largos
grandes barulhos de chuva
e o desespero do vento
que bate na pele
para doer o osso

Meu osso é memória
de um grande cilindro de tempo
que não conheci
Meu osso se esconde entre
o quente da carne
e o frio sentimento
entre
o úmido dos orgãos
e o seco da voz
entre
tudo o que se vê
e não vê

É a memória secreta
furada no osso
disfarçada, branca e ausente
calcificada no silêncio
que vibra a carne
o contorno dos olhos
o sentido violento
o descaminho da ação

Se existe aqui
algo que seja indecifrável
culpo a herança amarga
que me acompanha
As bocas que cuspiram a terra

E o que me dói
é o não-nascer
das as cores
dentro do oco
vazio quase morto
que chamam de corpo