Toco um vaso
e o sinto na ponta dos dedos.
A intransponível forma de sua porcelana
é rígida e concisa.
As flores vermelhas presas a secura
da composição
a dor comedida das cores
atadas ao frio material
Sinto o vaso e sei que não me espelho
em seu interior
minha imagem perdida
na profundidade do corpo
na ressonância das ondas
Olho o vaso e suas vértebras
o ângulo de todas as curvas
solitário como um elefante
um leão a beira mar.
Perdido em sua própria maré
o vaso se solta de mim
foge pelos dedos negros
come meus olhos e minha ansiedade
em busca de libertação.
Onde haviam flores, só resta
o barro falecido e cortante
o opaco do lirismo tatuado na pele
o vaso sombrio
sem flor, sem cheiro, sem nada
Os colibris se perderam
as flores se perderam
se perderam também os homens e
as águas que fluem a história. Os nomes
o número das camisas
a memória de minha avó
A flor que não desabrochava murchou
o camponês cuidando da vaca morreu
o vento que leva o outono
o sangue espalhado nas fábricas
tudo se foi. Tudo se foi
E eu também me fui
em forma de cacos
que atravessam os dedos
Nenhum comentário:
Postar um comentário