segunda-feira, 22 de julho de 2013

O afogado

Para Décio Lopes da Silva

Sou um estrangeiro no mar
um intruso nas ondas borbulhentas
que se quebram na orla.

Sou como a peste que mofa o pão
e com movimentos inóspitos
incorpora seu odor ao odor úmido das algas.
Tenho a boca cheia, mas sou mudo.

Porque no  mar não há o sexo, a luxúria, as palavras, as glórias
os barcos abundantes que são os sonhos
e os sonhos, que não são barcos
mas se adentram rotineiramente em mantos alaranjados.

Aqui o tempo é superficial
como para um cego é a lua
e para um obreiro o naufrágio.
Os minutos são tão longos quanto as noites pacatas.

Só existem espumas densas de sal,
cemitérios em que a morte desconhece
e não semeia seus corpos.

Não há sequer uma estrela acima desse mar
um amuleto que cintile na hora negra
um resquício profundo da chaga
uma gota de cólera postada na lepra que se abre.
O desespero real é, talvez, a maior das virtudes humanas.

No mar,
exilado e imigrante não sou ninguém
ao mesmo tempo que sou todos:
a mão divina que toca o infinito
e nada sente
o céu que afoga com seus lábios a água negra
e não sacia sua sede.

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